O mistério do Corpo Seco – Herói ou Vilão?

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Ao chegar na esquina da travessa Jose Contrucci dos Santos com Cel. Otavio Meyer, tive duas sensações completamente antagônicas com o que vi à minha frente. Um carro de boi descia lentamente a rua cascalhada em direção ao mercado municipal, levando uma pesada carga que, pela mistura de odores, parecia ser polvilho azedo e rapadura. O carreiro ia à frente da boiada de seis bois zebus mouro-rosa. A longa vara de guatambu, quase três metros, descansava solene no ombro da camisa xadrez azul e branco, com a ponta voltada para o céu. De vez em quando ele olhava para trás e brandia o ferrão fazendo a argola tilintar para mostrar à junta de guia a direção a seguir, embora a boiada já conhecesse de cor e salteado aquele trajeto, trazendo cargas de feijão, milho e lenha em outras ocasiões do ano. O carreiro de meia idade, homem alto, rude, pele queimada debaixo de um chapéu de junco amarelado, porém bem conservado – era o chapéu de vir à praça. O da lida diária lá no bairro dos Afonsos, era de palha e estava bastante puído – seguia meio cabisbaixo parecendo enfadado. Não seguia sozinho. Atrás do carro que cantava triste uma melodia indefinida, seguia seu filho que devia ter uns 12 anos. O garoto com as bochechas rosadas do sol da manha, se vestia parecido com o pai; sapatão de couro cru, calça jeans Topeka, de pouco uso, camisa xadrez verde-branco. O chapéu era de palha branca com uma listra azul e estava preso à cabeça por um barbante que passava por baixo do queixo. Parecia estar usando pela segunda ou terceira vez. Muito vivaz, corria de um lado a outro do carro dando ordens – desnecessárias – à parruda junta de coice. Um pouco abaixo da esquina o carro que descia carregado cruzou com outro que subia. Era puxado por uma boiada de quatro juntas, todos bois jovens, de cerca de quatro anos, exceto a junta de coice, mais herada. A boiada, também moira, predominantemente branca, puxava um carro parcialmente vazio, por isso cantava menos, predominando o som grotesco e sem ritmo das duas rodas de ferro no cascalho rústico da velha rua. Naquele momento passaram também dois cavaleiros lado a lado em direção ao Santo Antonio. O da direita montava um imenso cavalo baio, marchador, de crina dourada bem aparada, enquanto o da esquerda, que poderia ser seu filho, cavalgava uma garbosa mula preta passeira com orelhas tão grandes que mais pareciam um coelho. O baio levava no arreio um pelego pardo, combinando o tom de cor com a da pelagem, enquanto a mula preta tinha o peso do jovem cavaleiro atenuado por um pelego vermelho. Não levavam nada além da guaiaca. Bem vestidos e cobertos por chapelões de feltro, pareciam viajantes à negocio

1960_001      Carros de bois, cavalos, cavaleiros, uma bagageira que surgia na curva do Colégio Santa Doroteia, não eram novidades para mim. Eu estava acostumado com este trafego nas estradas lá dos Coutinhos. Mas fazia cinco meses que eu mudara e embora morasse a poucos quarteirões dali, não conhecia este lado da cidade. Por isso fiquei alguns minutos observando o transito… para matar a saudade.

1918 00 PB280020A às vezes poeirenta, às vezes barrenta e às vezes pedregulhenta rua Cel. Otavio Meyer era rota imprescindível de carreiros e cavaleiros que vinham dos Afonsos, Cervo, Cantagalo e até de mais longe, trazendo arroz, milho, feijão, polvilho, frangos, rapadura e outros produtos agrícolas do norte do município para abastecer o mercado municipal da Duque de Caxias.

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Quando a boiada passou, atravessei a rua desviando do estrume, e aí sim me surpreendi. O que surgiu diante de meus olhos dilatou minhas pupilas e escancarou minha boca.

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Fiquei maravilhado! Extasiado! Parecia coisa de cinema… Que eu ainda não conhecia. Talvez tivesse visto na televisão branco & preto do Danielzinho Marcondes, meu vizinho na Rua São João ou quem sabe eu vira no livro de historia da professora Clarice ou Tia Celia na escola municipal Santa Cecília, nos Coutinhos. Ou talvez tivesse sonhado com aquilo! Do nada surgia o imenso prédio, com uma altíssima varanda sustentada por 4 colunas – Lembrei de Sansão derrubando, no muque, colunas semelhantes num templo da Grécia, ou seria Egito, Babilônia?… No beiral do telhado, estatuas que eu não sabia de que santo eram, vigiavam inertes os arredores. O garboso, monumental prédio, tinha à sua frente, dividida por um canteiro gramado e arborizado a larga Avenida Independência totalmente asfaltada. Nem a BR 459 que meu pai ajudara a construir uns três anos antes era tão bela. Fiquei um bom tempo ali na beira do pasto – sim, entre a Otavio Meyer e o gigantesco prédio existia um pasto – contemplando o suntuoso prédio. Só a Catedral Metropolitana – esta eu conhecia por dentro e por fora –

1962 00 P5010025era tão grande, ou quase. O que mais impressionava é que o gigantesco prédio estava fincado no meio do nada. Para os lados, um boteco com o singelo Hotel Independência na parte superior e acima a residência do Nelson Loiola. Do lado de cima, pasto e mais pasto até a igrejinha de Santa Luzia. Na frente um campinho de futebol com traves de madeira onde eu jogaria muitas peladas com os filhos da professora Irene, os filhos do carteiro Luna, o cruzeirense Anísio e seus irmãos, o contador Jose Loiola, o Lazinho, o Zé pretinho, Jesus Muquirana, Felipe, o Panela, o maconheiro Chibit, e tantos outros, todos mais velhos que eu. Depois que acabava o campinho de futebol, seguia-se um matagal ermo, com vassoural, assa-peixe, bambuzeiro e ramagens rasteiras que vinham até a beira da Otavio Meyer. Eu estava diante da Faculdade de Direito do Sul de Minas, onde eu levantaria emocionado um ‘canudo’, muitos anos depois. Era setembro de 1969.

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Eu chegara até ali com minha caixinha de picolé a tiracolo, não por acaso. Na verdade eu estava rondando sem compromisso a morada do Corpo Seco, que segundo ouvi em volta da fogueira, passava os dias num bananal na divisa do sitio do João Borges com Mario Xexéu.

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Na minha florida e doce infância, o mistério dos fantasmas, das casas mal-assombradas, da mula-sem-cabeça, do lobisomem, do “Cavaleiro Fantasma da Rua São Pedro”, que toda madrugada baldeava os restos mortais do cemitério do Alto da Cruzes para o cemitério das Taipas e outras historias de arrepiar, ocupavam nossa imaginação e freavam nosso comportamento.

Eu tinha mais medo de cachorro louco, vaca brava, lobos, onças – bichos que eu podia ver, mas era muito pequeno para encarar – muito comum nas estradinhas vermelhas que cortavam as matas escuras da Grota Funda. No entanto, a historia do famoso Corpo Seco que morava a alguns quarteirões da minha casa despertou minha curiosidade e resolvi investigar.  Fui chegando de mansinho, de baixo para cima, pelo bairro da saúde. Afinal, se fosse necessário bater em retirada, era muito mais fácil correr morro abaixo… Pois é, mas não foi desta vez, em setembro de 69 que me aproximei do Corpo Seco.

1925 00 4010038        Dois anos antes, quando vim a Pouso Alegre pela primeira vez, passei quase no quintal do Corpo Seco. Eu viera com meu pai visitar minha sétima irmã, internada no Samuel Libanio com anemia. Saímos do bairro dos Coutinhos numa madrugada de lua cheia, antes de o galo cantar. Seguimos pela estrada morna, a pé, dez quilômetros. Como não conseguia acompanhar seus passos, vim trotando atrás dele. De vez em quando ele parava para que eu pudesse alcançá-lo. Na avenida Alberto Paciulli, entre a residência do “Tio Nerso” Martelo e a oficina do Marquinho Funileiro – que nem tinha nascido ainda e hoje já morreu – já com a madrugada agonizando, deparamos com uma cena inusitada. No meio da estrada, debaixo de uma frondosa figueira, a antiga, mãe da jovem que está hoje no mesmo lugar… um despacho de macumba. Uma galinha preta estendida no meio de um circulo de velas coloridas, ao lado de uma garrafa de “Tatuzinho” – coincidência ou ironia, o alambique que produzia esta perfumada cachacinha famosa nos anos 60 e 70 faliu há muito tempo – e uma caixa de fósforo ‘Argus’. O despacho não deve ter sido bem sucedido, pois as velas estavam parcialmente queimadas e embora o fósforo estivesse à mão, nenhum espírito apareceu para reacendê-las.

1925 00 P1010080       Duzentos metros adiante, quando o dia começava mover as pálpebras, com o ar ainda turvo, no final do morrinho, finalmente avistamos sinais de urbanização. Meu pai parou bem no espigãonzinho para me esperar. Quando me aproximei arfante, ele olhou para a direita, apontou com a cabeça e disse:

– Ali mora o Corpo Seco…

Há pouco mais de trinta metros no espigão do pasto, estava a grande e sombria casa branca de janela e contornos azuis. O alpendre imenso escondia sombras da lua já bocejante para os lados de Congonhal, tornando o casarão ainda mais fantasmagórico.

1927 00 P1010036      Nas ‘rodinhas de contar causos’ lá na minha terra, eu já ouvira falar no temível endiabrado que batia na mãe. E sempre que ouvia arrepiava os pelos de medo… Mas naquele momento senti apenas curiosidade. Eu estava há poucos metros da casa do Agostinho Corpo Seco, mas não precisava temer; meu pai certamente era muito maior, mais musculoso, mais valente e mais forte do que ele. Passamos na porta da igrejinha de Santo Antonio, descemos a Saturnino de Alcântara, passamos pela clinica Santa Paula em construção e fomos comer pastel na banca do Zé Quintiliano – que ainda chorava a morte da filha Jacira, no Beco do Crime, dez anos antes – no mercadão que acabara de abrir as portas.

1935 00 P4010036      No cruzamento das ruas São Pedro com São João existiam três casas e um lote vago. À direita morava Astor Matsunaga. Do lado de baixo a família do Marcos Carvalho, com seus longos cabelos lisos imitando Ronnie Von. De frente, o eletricista Guarino, sua esposa e sua bela filha única, de cabelos lisos e longos. Depois do lote vago, sem muros, com arbustos e ramagens onde brincávamos de esconde-esconde, ficava minha casa. Uma grande e comprida casa verde, com alpendre de fora-a-fora, sala de fora, sala de dentro, três quartos e uma cozinha. La fora uma privada perto da moita de bambuzeiro, um tanquinho de cimento debaixo de uma torneira – a única da casa – e uma minúscula garagem para charrete, coberta. Não havia banheiro e nem luz elétrica. Banhos eram na velha e tradicional bacia trazida na mudança no caminhão do Alfredinho, cuja partida se dava com manivela, único em Congonhal. Logo instalamos uma campainha. Eu mesmo fiz. Uma penca de tampinhas de garrafas furadas, amarradas com um cordão, pendurada acima da porta na sala de fora. A outra ponta do cordão ficava presa ao muro de tijolos quase desmoronando junto ao portão de ferro acima da tabuinha escrita com lapis de cor: “campainha”. Não sei se existia vida melhor! De manha, escola estadual Presidente Bernardes, de lata. De tarde, sorveteria do Ferreira, nas taipas. De noite, pique, esconde-esconde, chicotinho queimado e outras brincadeiras. Depois do cansaço… contar causos em volta de uma fogueira até a mãe de cada um ir buscar com uma varinha na mão…

1940 00 P1010024a        Foi em volta destas fogueiras, no canto do lote vago ou em cima do barranco, que eu conheci todos os detalhes – ou fantasias? – da vida do Corpo Seco.

Agenor, Walter da Emiliana, Sidney, meus primos Paulo e Jose, o Laércio “Rachalenha” e seu irmão Tinho e outros que não me lembro contavam esta e outras historias. Ali, à meia luz da fogueira, a figura do Agostinho Corpo Seco ficava ainda mais tétrica. Os motivos de ele ter se tornado um corpo seco, todos sabiam na ponta da língua;

– “foi praga de mãe… Ele batia nela com chicote!”

1948_011     Os moleques mais velhos pintavam o quadro ainda mais negro e contavam com detalhes as maldades do Agostinho, o boêmio que foi amaldiçoado…

– Ele era um homem alto, magro, muito magro! Magro de exibir os ossos por todo corpo coberto por uma pele escura e enrugada de ancião. Vestia apenas calça e camisa puídas e vagava nos arredores da casa dos pais como um zumbi. Vivia numa casinha de um cômodo construída precariamente para ele, destoando totalmente do conforto da casa grande da fazenda. Apenas sua mãe mantinha contatos com ele, para levar-lhe comida e cortar-lhe as unhas… e, raramente desbastar-lhe o cabelo e a barba. Aliás, era a vasta cabeleira desalinhada misturando-se à barba preta, deixando apenas o par de olhos de jabuticabas à vista, que faziam dele um fantasma, uma assombração… Um monstro!

1948_051       Muito provavelmente nenhuma criança o viu, mas a simples menção de seu nome seguida da descrição, fazia até a mais birrenta das crianças tremer de medo e desistir da birra. Contam também coisas assombrosas com relação aos animais que se aproximavam dele;

Ele comia os animais vivos…!

         Apesar de todo medo que ele incutia nas crianças dos sete aos setenta e sete anos, não há menção a uma única pessoa sequer que ele tenha atacado. Apesar da lenda que se criou em torno do Corpo Seco, ninguém sabe quando ele nasceu, quando começou sua sina de assombração ou quando morreu… se é que morreu! Mas todo mundo sabe porquê ele se tornou um corpo seco em vida;

Foi castigo, por maltratar sua mãe – dizem todos que são interpelados.

Será?

1953 00 P5010007        Em volta da fogueira, contavam que certa tarde ao voltar da lida com gado, Agostinho arreou o cavalo e o deixou preso pelas rédeas no curral da fazenda, pronto para viajar e foi se lavar. Quando desceu ao curral da casa grande todo arrumado e perfumado para ir para a boemia, o alazão não estava lá. Sua mãe, que naturalmente se preocupava com sua vida boemia e sabia que ele somente retornaria para casa já com os raios do sol, havia soltado o cavalo, para evitar que ele saísse de casa. Furioso, Agostinho teria colocado o arreio nas costas da mãe, obrigando- a  ir com ele pegar o cavalo no pasto… montado nela!

1959 00 P5010013      Outro garoto tinha uma versão parecida para a ‘cavalgada’. Contava ele que certa noite ao chegar em casa no meio da madrugada, embriagado, Agostinho desencilhou o alazão e ao invés de guardar o arreio na baia, entrou com ele dentro de casa e jogou-o ao chão da sala. Sua zelosa mãe que sempre o esperava acordada, o repreendeu. Embriagado como de habito, furioso, Agostinho respondeu:

– Vem cá. Vou te mostrar onde vou colocar este arreio…

Colocou nas costas da mãe e desceu-lhe a guasca como se estivesse cavalgando o corcel…!

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Nessa mesma esquina das ruas São Pedro e São João, onde cada moleque contava à sua maneira as maldades do Corpo Seco, toda tarde passava por ali um senhor alto, esquio, calça jeans, camisa xadrez, botas até o joelho, cabelos lisos e curtos penteados para trás, barba feita… Virava a esquina e descia rápido a São João até o pé do morro onde morava. O que diriam os garotos sabichões da rua se soubessem que aquele homem rápido e magro era irmão do Corpo Seco???

Um ano depois eu mudaria para o bairro da saúde e ficaria bem mais próximo do pobre diabo… Fui morar numas das casinhas do João Borges, a penúltima da rua, de numero 54 na Amadeu de Queiroz, em frente o carteiro. Os fundos de minha casa cercado por três fios de arame farpado, divisavam com o pasto do Mario Xexéu e, com exceção da rua padre Santana que tinha duas casas na baixada perto da mina e outras três ou quatro no morro, perto da Otavio Meyer, seguia até o mato, pomar e morada do Corpo Seco. As águas das minas que nasciam desde o pé do mato atrás da atual igreja de Santo Antonio, formavam um razoável ribeirão que passava há poucos metros de minha casa. Podia-se pegar lambari, tambiús, cascudos e bagres que nadavam nas águias frias e cristalinas do córrego. Cresci por ali, naqueles pastos, brejos, capões de mato e bananeiras, olhando de longe, desconfiado, as sombras do Corpo Seco.

Apaixonado desde criança por futebol – não sei como não consegui aprender a jogar até hoje!!! – fiz vários campinhos naqueles pastos, na beira do mato. Quase todos acabaram para dar lugar à urbanização. Um, no entanto, que ficava no quarteirão entre as atuais ruas Bernadete Santos Duarte, Paulino Pereira da Silva e Ana Pereira de Jesus, o maior deles, acabou sendo abandonado. É que atrás do gol norte, além da cerca de arame, começava um bananal e em seguida um capão de mato fechado que subia a ribanceira e ia até a casa do Corpo Seco. Quando a bola caia lá, ninguém se arriscava a ir buscá-la. Por falta de coragem dos molecões para buscar as bolas, o campo foi ‘devolvido’ ao seu legítimo dono… o Agostinho Corpo Seco. Logo foi dominado pela guanxuma nativa e voltou a ser pasto.

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Mais tarde fui morar mais perto do Agostinho, na Dr. Fleming, ultima rua do bairro da Saúde, praticamente na porta da cozinha do Corpo Seco. Atrás da minha casa, num barranco aplainado, encostado no mato, existia um casarão abandonado. O azul desbotado pelo tempo e manchado pela chuva que escorria pelas paredes sem beirais, vidros quebrados, ervas daninhas e capim crescendo desordenadamente no quintal, ameaçando invadir a casa, conferiam ao casarão um aspecto assustador. Alguns diziam que era ali que o Corpo Seco morava. Minhas irmãs mais novas, mais inconseqüentes e mais desocupadas do que eu – contam hoje – costumavam ir lá durante o dia assombrar o corpo seco. Chutavam as portas, jogavam pedra nas janelas, no telhado e chamavam o pobre diabo para fora. Quando coincidia de uma pedra rolar silenciosa do telhado e cair de volta ao chão, se assustavam, saiam correndo apavoradas, achando que Agostinho iria reagir às provocações. Faz lembrar a piada da viúva que chora desconsoladamente na beira da cova do marido morto e para fazer cena lamenta; “Oh meu querido Manuel, porque partiu tão cedo!!! Me leva com você!!!” De repente escorrega, cai na cova e se põe a gritar histericamente; “Ah… meu Deus, socorro, me tirem daqui…”.

Além de não dispor de tempo, pois eu trabalhava no deposito de gás do Zé Gouveia, estudava no Presidente Bernardes ‘de lata’ à noite e nos fins de semana tinha que curtir minha paixão; o futebol, e quem sabe… algumas loirinhas ou moreninhas,  eu tinha um motivo muito forte para não zombar do Agostinho. Uma vez por semana eu tinha que passar praticamente dentro do seu quintal, sozinho, ainda na penumbra da madrugada. Era melhor não provocar o Corpo Seco.

No inicio dos anos 70, a Faculdade de Medicina, bem menos garbosa, embora já formasse médicos tão bons quanto hoje – ou quem sabe muito mais responsáveis – não tinha lavanderia industrial. As roupas eram lavadas num singelo tanquinho de cimento no fundo do quintal de minha casa. Trazer as roupas sujas para lavar não era problema. Eu as trazia amarradas numa trouxa na garupa da minha bicicleta vermelha comprada a prestação na loja do Santos Patrício, na Dom Assis. Levá-las de volta lavadas e perfumadas, caprichosamente passadas e dobradas, só tinha um jeito… numa grande ‘mala’ na cabeça. Atravessar a cidade, do bairro da Saúde à Faculdade de Medicina era meu martírio semanal. Nos anos 70 a palavra ‘adolescente’ já era conhecida, porém muito pouco propagada. Os desatinos, a grosseria, a falta de educação, a revolta sem motivo e sem necessidade, os bicos & beiços, rebeldia sem causa, os conflitos existenciais próprios da puberdade, da passagem da infância para a maturidade, já tinham nome… Mas era menos saliente e menos valorizado.

Um adjetivo, no entanto, todo os jovem entre 13 e 17 anos mais ou menos tinha direito; o ‘constrangimento’…! Também conhecido como ‘vergonha’. Imagine um molecão de 14 anos, bastante popular e extrovertido, atravessar a cidade com uma mala de roupas na cabeça cumprimentando amigos e conhecidos!!!  Era preferível enfrentar o Corpo Seco! E eu enfrentava. Saia de casa antes de o dia clarear. Assim evitava ao máximo encontrar pessoas conhecidas. A rua Cel. Evaristo Valdetario que era uma seqüência da avenida Independência, hoje av. João Beraldo, terminava na casa do Macedo Passarinheiro, na esquina da minha casa. Ali começava um capão de mato que descia da casa do Agostinho Corpo Seco até a beira do campinho abandonado na baixada do Saúde. Havia uma trilha no mato com uma pequena clareira. Era por ali que passava misturando-me às ultimas sombras da noite, segurando com uma mão a mala na cabeça e com a outra o crucifixo no peito, rezando a oração do… “São Bento da água benta, Jesus Cristo no altar, tirai tudo de mal, do caminho pra mim passar”.

         A trilha na clareira passava onde foi fincada nos anos 90, a nova igreja de Santo Antonio – onde batizei o Afonso Verlengia Coutinho, crismei o Ailton de Oliveira do compadre “Carlão” e casei o colega Fernando Jardim – saia numa porteira de arame em ziguezague ao lado da velha igrejinha do Santo Casamenteiro. Há poucos metros dali, o velho casarão branco de janelas azuis, olhando ainda sonolento em minha direção, parecia querer dizer; “reze também por mim…”. O trecho mais movimentado eram os poucos mais de cem metros da Praça Custodio Ferreira, no coração do minúsculo e centenário bairro Santo Antonio. Logo eu descia pelo bairro Primavera, pelas ruas Mons. Dutra, Queiroz Filho, Manoel Matias, um trechinho da São Francisco, sempre por pastos e atalhos até chegar à Medicina, sem precisar mostrar a ninguém o meu acanhamento. Esta façanha, que durou talvez uns dois anos, passando pelo quintal do Corpo Seco com a madrugada ainda agonizando, com certeza foi meu relacionamento mais estreito com Agostinho.

E se o relacionamento foi vago e distante, embora tenhamos sido vizinhos de porta dos fundos, não poderia ser mais estreito, pois vivíamos em mundos completamente diferentes. Quando cheguei a este mundo para encher de alegria e peraltices a grande casa de pau a pique na Vargem do Coqueiro, Agostinho que havia vivido – vivido!!! – os últimos dez anos em pele e osso, assombrando passivamente as pessoas no Alto das Cruzes, não tinha mais nem os ossos.

O corpo do Agostinho, tão roliço e rechonchudo quanto toda criança, nasceu no ano em que o 14º RO 105 – quartel do exercito – se instalou na cidade, lá pelas bandas do Jardim Yara, em 1918. E partiu cedo, na flor da maturidade, aos 33 anos. Dez antes da expectativa media de vida do brasileiro de então.

 Outro dia, juntando os trapos da historia para desfazer este mistério, interpelei um senhor septuagenário. Ele me contou fatos bem interessantes atribuídos ao Corpo Seco da sua adolescência. Quando perguntei quando o Corpo Seco morreu, ele respondeu com os olhos bem vívidos, sem pestanejar;

– “Não, ele não morreu. Ele virou ‘corpo seco’”!?!?!?!?

       Só não soube informar onde ele está morando atualmente…

Mas eu sei!

       Mora no mesmo tumulo do pai, como qualquer cristão, no cemitério municipal de Pouso Alegre, desde 1951…

Dois dos sobrinhos do Agostinho, um experiente jornalista e um bonachão e extrovertido comerciante, em mais de duas horas de conversa abraçados a loiras e morenas – eles na cerveja e eu na cola-cola – afirmaram em tom de troça;

– Tio Agostinho morreu de gonorréia!!!

Será???

Mas afinal, o que é lenda e o que é real?

Quem foi Agostinho?

Daria para separar o homem da lenda?

Certamente …

        De família abastada, apesar de trabalhar na lida na grande fazenda nos arredores da cidade, Agostinho pendeu desde cedo para a boemia. Não aquela boemia de passar as noites seguidas em claro, jogando, cantando, bebendo na companhia de mulheres de vida fácil e de pessoas de índole duvidosa, até porque, na Pouso Alegre dos anos 30 e 40, não havia sequer uma casa noturna que virasse a noite em claro. A boate da jovem e sedutora cafetina Margarida Leite, na David Campista, o famoso bar do Joao Natal na Silviano Brandão, o “Inferninho” na Duque de Caxias, ainda engatinhavam. Longas noites regadas a suco de gerereba, loiras geladas e morenas e ruivas quentes aconteciam na cidade no máximo uma vez por semana.

      A boemia acalentada por Agostinho não passava de uma ou duas vezes por mês. Saia da fazenda, há pouco mais de quatro quilômetros do centro da cidade, à cavalo e retornava com as primeiras sinfonias do galo carijó. Quando a cotovia pulava de um galho a outro no pé de manacá debaixo de sua janela, ele já estava nos braços de Morfeu. Isso era boemia… nos anos 40!

        Esta inocente boemia seria responsável indiretamente e injustamente pelo apelido que Agostinho levaria para o além-túmulo. Além mesmo, pois mais de meio século depois de sua partida, ainda tem muita gente que acha que ele não morreu… que ele simplesmente virou corpo seco!!!

        Foi, provavelmente, numa destas incursões boêmias, depois de uma árdua semana de trabalho no campo, que Agostinho contraiu a doença que encurtaria, talvez, uns 15 anos de sua vida e faria dele uma celebridade, às avessas. Existe ainda, salvo engano, um ou dois irmãos bem mais novos e um cunhado e dezenas de sobrinhos. Quase todos fogem do assunto “Corpo Seco”, tal qual as crianças de meio século atrás fugiam do próprio. Foi justamente esta aversão ao assunto, que fez dele uma lenda! Se falassem abertamente de sua doença – desconhecida naquela época, porém corriqueira, tratada com antiinflamatório nos dias de hoje – Agostinho não teria se tornado o terror das crianças de então.

        Que doença seria esta?

       Hoje ninguém mais sabe.

       O sobrinho, aquele bonachão extrovertido, e o irmão jornalista bem esclarecido, despidos de falsos e inúteis tabus, os quais conviveram com ele alguns poucos anos, na tenra idade, acham que Agostinho contraíra doença venérea, talvez sífilis ou gonorréia… Esse mesmo tio bonachão, quando quer encerrar um assunto e deixar uma roda de amigos costuma dizer;

– Preciso ir embora, estou atrasado… Hoje é sexta feira, é dia de cortar as unhas e fazer a barba do meu tio Agostinho Corpo Seco…!!!

Quando ainda usava calça curta e andava descalço lá na Vargem do Coqueiro, conheci um personagem que bem poderia ter virado lenda semelhante à do Agostinho. Ele vivia harmoniosamente com a esposa e os dois filhos numa casa de pau-a-pique, grande e baixa com um terreiro gostoso que recebia os primeiros raios do sol pela manha, onde brincávamos em noites frescas nos montes de palha de arroz. Um belo dia ele mudou-se sozinho para uma casinha rebocada de tabatinga, de quatro minúsculos cômodos, na beira do trilho que levava à minha casa. A esposa e os filhos molecotes mudaram imediatamente para outra casinha parecida, construída às pressas, ao lado da casa grande, abandonando até mesmo o terreiro onde minhas irmãs jogavam peteca. As casinhas eram tão minúsculas, que se juntassem as duas e colocassem no meu quarto, talvez sobrasse espaço para varanda. Em termos de aconchego, no entanto, não caberiam no Palácio da Alvorada. Dizer que Paulino morava na casinha branca na beira do meu caminho é bondade e generosidade. Ele passava alguns dias do mês ali. Recebia seu pratinho de comida na janelinha de madeira, prato e colher que ele mesmo lavava numa bacia de alumínio e devolvia limpos pela mesma janela. Passava quase todo o tempo viajando para Campos do Jordão. Eu não entendia porque ele se separara da família e da casa grande. Algum tempo depois ele voltou a viver com a esposa e os filhos numa outra casa maior. Ele havia se curado de… tuberculose...! E viveu harmoniosamente com a esposa e os filhos até as portas do século 21.

Seria este o caso do Agostinho?

Talvez.

Agostinho foi um rapaz um pouco ‘arrojado’ para seu tempo. E teve a infelicidade de contrair uma doença simples numa época em que a medicina ainda engatinhava no Brasil. Medicina por imagens como se vê hoje nem se sonhava. Os dois ou três médicos que clinicavam em Pouso Alegre nos idos de 1940 – com 57 % da população brasileira analfabeta, com 88% do país sem esgoto e saneamento básico e com a expectativa media de vida de 43 anos – tratavam o paciente de acordo com suas queixas e sintomas…

– Sinto um cansaço, doutor… Como de tivesse tirado uma tarefa de doze braças – Diria um.

– Hum… Manda sua mulher cozinhar inhame no almoço durante uma semana – Respondia o medico – Você está com anemia…!

Assim era exercida a medicina no idos do Corpo Seco . Assim eram curadas as doenças. Se o medico não sabia diagnosticar o mal do paciente, então era “doença ruim”, “castigo de Deus”! Tinha que se isolar do mundo, até da família. E não tocar no assunto com ninguém. No já robusto século XXI, para se referir a qualquer tipo de câncer algumas pessoas ainda olham para os lados, baixam a voz e cochicham;

– Fulano está com “aquela doença”…

Imagine então, em 1946, alguém comentar que fulano, filho do rico sicrano, estava com depressão… ou com sífilis?!

O naturalista inglês, Charles Darwin, formulou a teoria da evolução das espécies, anteviu os mecanismos genéticos e fundou a biologia moderna. Mas morreu – em 1882 – ignorando a verdadeira causa dos seus problemas de saúde… Insuficiência respiratória.

A 17ª Conferencia Clinico-Patologica Histórica, realizada pela escola de medicina da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que estuda sintomas e diagnósticos de grandes personagens da historia, que morreram de doenças misteriosas, concluiu que o naturalista morreu do “Mal de Chagas”. Ele teria contraído o parasita do barbeiro durante sua viagem ao redor do mundo entre 1831 e 1836, quando fez escala no Brasil.

A mesma Conferencia concluiu que Alexandre o Grande – morto em 323 a.C. por coma alcoólico ou envenenamento por arsênio – na verdade morreu de febre tifóide.

Simon Bolívar, o conquistador das Américas morreu envenenado por arsênio e não de tuberculose como se achava. O ditador fanfarrão Hugo Chávez, seu fã, chegou a exumar o que restava dele para defender a tese do envenenamento, no ano passado.

Queriam os franceses que seu mais ilustre cidadão, Napoleão Bonaparte, o imperador que colocou o covarde e obeso rei Dom João VI para correr, vindo esconder-se cá em terras tupiniquins – aliás, prestou um grande favor a nós. A vinda do rei e sua corte para o Brasil forçou a vinda do progresso e a conseqüente independência. Não fosse isso ainda estaríamos tomando ‘bença’ de Portugal! – tivesse morrido envenenado por arsênio, o veneno da moda na epoca. No entanto, descobriu-se e provou-se com autopsia que o moço da aba do chapéu dobrado, precursor de Hitler, que morreu em 1821, após 52 anos de desvarios, tinha um câncer gástrico em estagio avançado.

Enfim, a ciência não pôde fazer nada por eles na época e certamente não faria nada também para o nosso Agostinho. Mas… se pesquisar seus sintomas e diagnósticos, vai descobrir que ele sofreu nos seus últimos anos de vida de Tuberculose ou Tifo, provocando um conseqüente comportamento depressivo que o levou ao auto-isolamento … e nascimento da lenda.

Outro fator contribuiu para o surgimento da lenda do Corpo Seco. Dos quase dez irmãos, havia um que era aventureiro – contaram os dois sobrinhos. De vez em quando ele saia pelo mundo. Virava ‘andante’. Jogava um saco nas costas e saia sem rumo. Ficava oito, dez meses, um ano sem dar noticias. Até que voltava para casa, sujo, maltrapilho, desnutrido, descabelado e barbudo. Da mesma forma que ocultavam o Agostinho enfermo, a família acolhia o andante, cuidava da sua saúde, da sua aparência e o mantinha quase recluso durante meses ou anos. Até que um novo surto de aventuras o dominava e ele retomava as andanças sem rumo. O casarão em que viviam, embora no perímetro urbano, quase não tinha vizinhos. Os poucos que os viam, à distancia, com aparência assustadora, os confundiam e espalhavam os boatos. Como a família naturalmente envergonhada evitava falar sobre o assunto, eles se alastravam… E a lenda foi ganhando corpo seco.

Por muito menos que isso o detetive Paixão ‘foi morto’ três vezes por seus desafetos. Cavucada foi atropelado na serrinha de Bela Vista. No carnaval do ano passado uma enfermeira manteve relações sexuais com um Don Juan do ‘outro mundo’ e teve gangrena na vagina. No ano passado criaram a lenda do papa defunto de Santa Rita!!!

Um terceiro fator contribuiu para a propagação da lenda do Corpo Seco… o negro “Artu”. Preto, alto, muito magro, vestia-se com simplicidade. Morava na ultima casinha igualmente simples na Rua Tupinambás. Passava os dias sentado na beira da casinha, tomando sol no inverno e se escondendo dele no verão, na sombra de uma laranjeira no quintal. Quando saia na rua, por mais calado e discreto que fosse, para pedir alguma coisa, sua figura esquelética atraia a atenção especialmente das crianças. Como quem conta um conto aumenta um ponto, muitos ao contar a historia do Agostinho Corpo Seco, imaginavam a figura do negro “Artú” e os confundiam. O pacato, inofensivo e soturno negro Artur, certamente também portador de alguma enfermidade que o impossibilitava de trabalhar como as demais pessoas, sem fazer mal a ninguém, bateu às portas do século XXI mais magro do que nunca.

Somados a estes fatores, há outro preponderante para o surgimento da lenda do Corpo Seco. A mudança do cemitério do Alto das Cruzes – atual ‘Palácio’ da Carijós – para o bairro das Taipas, em 1917, salvo engano. Logo surgiram as piadinhas macabras;

– Esqueceram de mudar o tumulo do fulano… Essa noite ele passou na rua da minha casa de madrugada, indo para o cemitério da Taipas, por conta própria!

Logo, todo barulho desconhecido vindo da rua em horas mortas… eram os mortos, se mudando para o novo cemitério. Havia até uma carruagem que toda madrugada descia a rua Tupinambás, virava a São Pedro e descia pelo bairro Primavera em direção ao bairro das Taipas levando os restos mortais! Os céticos diziam que era o padeiro entregando pão em domicilio. Certa vez arrisquei olhar pela fresta da janela de madeira! Ouvi os cascos do cavalo na terra cascalhada, o ranger do molejo da carroça, o som da guasca do soturno cavaleiro e o ladrar infernal da matilha que acompanhava o ‘féretro’ até sumir perto da venda do Adão… Mas não vi nada!!! A partir de então, toda vez que o coche fúnebre passava eu cobria a cabeça e rezava!

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Para juntar o esquelético e depressivo Agostinho aos mortos esquecidos no cemitério do Alto das Cruzes, foi só mais meia dúzia de fogueiras na esquina…

Meu amigo Agostinho Corpo Seco, ‘companheiro de infância’, ensinou-me muitas coisas. Duas delas muito importantes;

* É preciso respeitar o desconhecido e rezar com fé o “Pai Nosso” nas madrugadinhas frias…

* A base da educação é o respeito. No entanto, uma dose moderada de medo do desconhecido não faz mal a ninguém!

Se Agostinho tivesse nascido 50 anos depois, sua doença teria sido diagnosticada, tratada e curada em pouco mais de seis semanas… E ele não teria ajudado muitos pais a criar seus filhos rebeldes e desobedientes! Durante décadas Agostinho Corpo Seco, foi usado, ainda que de maneira injusta e indevida, para impor limites a crianças e jovens.

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No isolamento dos seus últimos dez anos de vida e nos anos seguintes já na interminável fila de São Pedro esperando para prestar contas dos seus débitos terrenos – que muito provavelmente os pagou em vida! – Agostinho Corpo Seco prestou um grande serviço a milhares de pais na educação de seus filhos;

Ah, você não vai me obedecer não, é? Quer ficar igual o Corpo Seco?

– Vai maltratar sua mãe que nem o Agostinho… Quer virar Corpo Seco, quer? – Dizia a mãe desacorçoada diante da birra ou malcriação do filho recalcitrante. Invocando o exemplo tétrico do jovem boêmio que teria batido e cavalgado a mãe, pais e mães traziam os filhos no cabresto… Ninguém queria virar corpo seco!!!

Magda louca, Pachá, Rabo Verde, Ananias, Agostinho Corpo Seco, Negro “Artú” fazem falta na vida da criançada de hoje…

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Mas ele foi herói ou vilão?

    Para as crianças ele foi um vilão, que comia os bichos vivos e assustava com sua aparência horripilante – que elas nunca viram.

    Para os pais ele foi herói, tal qual Saci Pererê ou Mula-sem-cabeça, do qual se valiam para por medo nos filhos e impor-lhe limites.

    Para a historia ele foi um cidadão comum, alegre, arrojado, extrovertido, até contrair uma doença corriqueira – para os dias de hoje – e se trancar em casa, se isolar do mundo até a morte precoce!

     E onde está o Corpo Seco?

        Onde ficam todos os corpos secos, no cemitério municipal de Pouso Alegre como qualquer cristão, no mesmo tumulo do pai, desde 1951…

 

*Dedico essa historia a todos os leitores do Blog, especialmente aos amigos que contavam causos de assombração em volta da fogueira, na esquina da rua São João em 1970, muitos dos quais já se juntaram ao Agostinho Corpo Seco no outro lado da vida.

        Airton Chips, dezembro de 2012

39 respostas em “O mistério do Corpo Seco – Herói ou Vilão?

  1. Parabéns pela História. Como dizia o cantor e poeta Hique Gomez … ” Todo povo que soube valorizar sua história, viu sua cultura florescer com força”.
    Um Feliz ano novo à todos! Que 2013 seja repleto de realizações!

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  2. Realmente bateu uma nostalgia. Lembro como se fosse hoje quando vinha a passeio para Pouso Alegre do Rio de Janeiro. Lembro que meus primos, filhos do Waldemar barbeiro, ali da praçinha do Santo Antonio dizia que ele morava onde hoje é a Guarda Municipal e minha irmã ate adoecia de medo quando se falava dele. E o Artur, que chamavamos de bigorna, batia o pé e falava ” ELEPE ” ameaçava jogar guspi na gente. Ele era pacato, mas como eramos criança nao deixavamos de dar aquela mexidinha pra irritar o pobre homem. Foi muito bom relembrar esses tempos em que morava no Santo Antonio, iamos no Ribeirao das Mortes pegar peixes com peneirão e depois fritar no buracão que devido ao crescimento da população acho que quase nao existe mais.

    Muito Obrigado pela sessão nostalgia e um Feliz 2013 pra vc e todos os leitores do Blog.

    Um forte abraço.

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    • Olá Alex,
      Suas referencias estão corretas. Tive que omitir alguns detalhes, inclusive o nome do moço, por questões eticas e respeito aos familiares.
      O velho ribeirão das mortes! Que saudades!!! Me afoguei ali a primeira vez e ali aprendi nadar!!! O grande poço que ficava lá no meio do pasto desapareceu… Hoje é o bairro Recanto das Andorinhas.
      O velho buracão está quase do mesmo jeito, quase todo cercado por loteamentos. Só que hoje parece bem menor e menos sinistro. Passei muitas vezes na sua borda indo nadar, mas nunca tive coragem de descer nele… Boas lembranças.
      Obrigado Alex, um 2013 de muita saude, paz e Deus na sua vida.
      Abraços.

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      • Acho que lembro tambem de um conto diz que o buracão foi formado pelo sangue de um padre ou religioso, nao me lembro bem, que tomou uma estilingada e morreu no inicio do buracão, no final da rua do posto de saude do santo antonio e por onde correu seu sangue formou o buracão. Vc chegou a ouvir falar nisso ?

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      • Pra voce ver como são os boatos e lendas, Alex!!! O buracão começa bem mais à frente, no bairro Esplanada e a estoria do padre existe sim, mas por outro motivo… Conta-se que o padre foi assassinado porque ‘pulava cerca’ e seu corpo foi arrastado naquele local, causando assim o buracão.
        Na realidade trata-se do simples fenomeno da erosão natural de um terreno arenoso…
        Abraços.

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  3. Incrível história Chips, você está de parabéns pelo Blog, não só por está matéria, mas sim por todas que você publicou durante o ano de 2012, sou um grande fã da sua escrita e espero que em 2013 venham histórias ainda melhores para você publicar por aqui… Fiquei feliz de ver o nome do meu Bisavô e ver que ele contribui com seu crescimento lhe vendendo a bicicleta em “prestações”…”…Eu as trazia amarradas numa trouxa na garupa da minha bicicleta vermelha comprada a prestação na loja do Santos Patrício…”.

    Forte Abraço e Feliz 2013 para você Chips, manda uma abraço pros filhos também, pois os tenho como grandes amigos…

    Matheus Paiva

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  4. Qdo criança morava lé em Esp. Santo do Dourado. Lá eles comentam tbm que nos nos campos tinha um corpo seco. Um hoem mal que colocou o arreio na mãe dele amontou com espora e chicote, deu uma volta. Dizem que, ele tbm virou corpo seco e fica por aqueles matos lá no campo.

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  5. Chips, sou leitor assíduo do seu blog e da folha de p. alegre. Morei na Cel. Otavio Meyer, embaixo da casa do mecanico Teobaldo e lembro bem dessa estória. Com certeza essa é uma das melhores que vc escreveu! Parabens e feliz 2013!!!
    Prof. Lucas Sobreiro

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  6. Parabéns pelo relato, está história fez parte da minha infância!
    Mas estou com uma dúvida, o nome do tal corpo seco é Agostinho ou Custodinho? Sempre ouvi o nome Custodinho Corpo Seco.
    Abraço!

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    • MTO LEGAL ! VALEU PELA HISTORIA CHIPS ! TORCI PRA QUE FOSSE ESSA E ACERTEI !
      UM FUNCIONARIO DO COLEGIO SAO JOSE ME CONTAVA ESSA HISTORIA DO ” CUSTODINHO” CORPO SECO …
      MTA BOA A HISTORIA !!! VALEU ABC FELIZ 2013 !!!
      So uma errata tecnica , as doencas citadas n seriam tratadas nos dias atuais com anti inflamatorios como foi mencionado …

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    • Olá JR,
      Voce está certo quanto ao nome do moço. Embora se trate da historia de um personagem popular, troquei seu nome e andei omitindo alguns fatos que tinha conhecimento, para evitar aborrecimentos com os familiares do dito cujo. Conheci alguns irmãos e conheço alguns sobrinhos do Corpo Seco, inclusive alguns, com os quais pude conversar abertamente sobre ele em busca de informações. No entanto, nem todos tem o mesmo desprendimento para falar do assunto.
      Abraços.

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  7. Parabéns pela matéria!

    Muito bom conhecer a fundo esse personagem que fez parte da história de Pouso Alegre, e que serviu para me amedrontar e disciplinar na infância.

    Desrespeitar meus pais? Jamais! Não quero virar o Corpo Seco…

    Abraço!

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  8. Muito boa história e muito bem contada…por meio dela conseguimos visualizar em nossas mentes como era Pouso Alegre no passado…meu avô, o Sebastião Mendes, me contava essa história…parabéns!!!Valeu a espera…

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  9. Pra começar um abençoado 2013 a você e toda família. Chips fantástica a história do corpo seco, fui criada na rua Monsenhor e sempre ouvi falar dele e morria de medo igual muitas crianças falavam que ele morava na quela casa onde hoje é a gurda municipal nem pagando eu passava perto rsrs. Chips outra figura que me lembrei muito foi do Artú, nooossa que bons tempos aquele me lembro quando ele passando pela rua falávamos com ele apesar do medo e ele colocava a linguá bem próximo da boca era muito engraçado. Parábéns pelo blog, pelas histórias muito bom.

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  10. Olá!! Não conhecia seu blog….muito bom seu trabalho!!! estou amando conhecer as histórias!!! Muito esclarecedora a do Corpo Seco…Minha avó morava no Yara, e passavamos muito tempo em sua casa, para sossegar a criançada, era contada a história do Custodinho sempre!!!! E nós morríamos de medo, lógicooo!!Rsrsrsrrs…… Obrigada pela oportunidade e pelo blog!! To devorando as histórias e viajando tambémmmm!!! Muito boooommm!!! Um grande abraço!!

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